De volta ao RJ: Arraial, Cabo Frio e leituras
Sobre esses últimos dias de outono em Arraial do Cabo, lembranças de pousadeiro no rolê em Cabo Frio e o hábito da leitura retomado com José J. Veiga, Charles Bukowski, Lucas Rocha e Stefano Volp.
Na newsletter de hoje temos:
Sobre os últimos dias em Arraial do Cabo e Cabo Frio.
Desculpas (já aceitas, sim) pela falta de compromisso.
Leituras recentes, incluindo José J. Veiga, Charles Bukowski, Lucas Rocha e Stefano Volp. Me recomendem a próxima leitura?
Arraial do Cabo
Estou em Arraial do Cabo. Outono intenso. Ou alguma parada do El Niño atingindo a península da Região dos Lagos ou sei lá o quê, alguém disse. A mínima de 23 graus parecia a de 17 em São Paulo em alguns dias. Torcendo para que eu não precise ir até o brechó comprar agasalho.
Tenho pedalado minha bike enferrujada e de pneu furado quando o Sol está quente. Vejo o pôr do sol sozinho no bosque perto da restinga, onde adoro ir às tardes. Passo a maior parte do tempo estudando, lendo e ocupado com a zine que estou fazendo. Além de fazer carinho nos gatos e dar broncas no Chico que come o pão alheio quando não pede colo para dormir - impossibilitando matar os pernilongos que fazem a festa com meu sangue delicioso.
Contrariando a norma, até que não estou tãããão ansioso. Faço o possível para não pensar no lado negativo da vida no momento. Estou indo bem se considerar que logo que cheguei aqui tive que lidar com algo bem desagradável. Na verdade, não lidei. Finjo que nada aconteceu e nem sequer converso a respeito, não queria que minha chegada fosse marcada por acontecimentos ruins. Adiantaria nada falar a respeito, apenas me deixaria para baixo. Quero pensar nas coisas boas, manter a cabeça para cima. Parece que tem funcionado.
Quase não saio de casa. Atualmente, o Vibe House. A sinusite bateu, geral aqui gripado, choveu alguns dias. Somente os hóspedes com datas marcadas se arriscam lá fora. Os de casa estão aproveitando a baixa temporada, sossego e lazer caseiro.
Cheguei em 11 de maio. Exatamente um mês e um dia após ter me despedido de Conchas, no interior de São Paulo. 900 km de estrada para trás. Estrada essa que começou comigo pretensioso, acreditando que o tanto de inspiração que me banha nesses rolês transformar-se-iam em ricos textos para a minha jornada como escritor. Por vezes pensei em separar dois dias da semana para escrever e focar no objetivo dessa jornada que conto aqui, mas percebi que não estava mais em movimento para isso, estava em movimento para outra coisa. Ainda que não remunerado, ocupar o tempo com algo que quero que um dia me dê retorno financeiro é um trabalho que pede um tipo diferente de viagem. Uma que seja menos dependente dos amigos que já tenho e dos que faço pelo caminho.
Não faltou vontade de escrever pelos lugares em que passei, mas preferi curtir as trilhas e suar por lugares desconhecidos. Deram uma oxigenada no cérebro para lembrar que a vida e esse mundão são muito maiores que qualquer pretensão e dores tipicamente relacionadas ao mercado de trabalho, qualquer um deles. Por isso, nem doeu tanto me ausentar daqui. E, portanto, peço singelas desculpas por não dividir meus pensamentos e anotações quanto aos tópicos levantados no último texto. Como minha audiência não passa de algumas dezenas de leitores pouco engajados e mais próximos in real life, considero as desculpas aceitas desde já.
Cabo Frio
10 meses depois. Aproveitando carona de Uber que o Mene pediu. Pisei no Tio Brico em Cabo Frio. Rolê de forró. Obviamente nem me atrevo, só apareço pelos conhecidos. Pelo papo e pela cerveja. Dessa vez foi uma só, também filada. No carro, contei ao Mene, lembrei que na última vez acordei em um bairro no miolo da cidade. Deixei meu relógio na casa do cara que vai saber lá como conheci para nunca mais recuperar. Tio Brico e lembranças tortas e bizarras de bebedeiras descontroladas. Hoje ando pianinho, suave e nervoso em relação ao bolso e a pança. Menos sobre a gordura localizada das calorias em excesso e mais sobre constatar que nem duas garrafas pagam um almoço. Almoço e janta, se considerar a ida ao mercado e a desventura na cozinha. Como tenho feito. Primeira vez que fui embora numanice e só não minto sobriedade, pois roubei do Rafa uma dreher com mel.
O principal motivo da ida até ali foi rever minha grande amiga Sammy - de volta das férias em Cuba, honorifica dona do Vibe House, em que faço moradia desde que voltei para esses lados do RJ. Samantha é dessas pessoas que todo mundo quer por perto, que todo transtornado inveja a saúde mental, pois tempo ruim não existe e a aparência é de serotonina com mãos para o alto no Monte Everest. Em meio a fumaça de charuto cubano, que tenho dificuldade em não tragar, matamos a saudade relembrando algumas histórias do tempo de Boris - a pousada que eu e Alex abrimos mais ou menos na época em que ela começava o hostel.
Lembra da Marcia? Nossa primeira hóspede, chegou em família, estressadíssima. A fila para entrar na cidade estava gigante e a polícia frequentemente impedia a entrada dos turistas. Meu primeiro fim de semana oficialmente como pousadeiro, suítes lotadas, sozinho no check-in e check-out. Sammy e Johci salvaram o café da manhã. Empreendedores de fora unidos fortalecendo a rede de apoio. Coitadas, escutaram um monte. A noite me dividi em 5 para dar conta de beber com cada hóspede que queria amizade. Toma essa cerveja aqui com a gente, Jesuiss. Porra, Jesuiss, tu vai ficar bebendo com eles e não com a gente? Toma esse uísque aqui, Jesuiss. Porra, Jesuiss, deixa a gente entrar na piscina. Exausto, eu só queria dormir, e ainda nem havia jogado os produtos de limpeza na bendita piscina, tentando evitar ainda mais interações. Todo mundo foi embora feliz, Marcia principalmente, só beijos e abraços e indicações para os amigos - que, sim, vieram se hospedar nos meses seguintes. O primeiro fim de semana acabou com sensação de dever cumprido e que tudo daria certo na nova empreitada. E só daria certo por ter pessoas como a Sammy por perto.
Amigo, me conta, o que você anda fazendo? Essa pergunta é esquisita de responder. Falo o quê? Ando sofrendo. Mentira, até que não tenho sofrido muito, já sofri mais. Se bate a bad, pego um livro para ler ou dou uma pedalada até a praia. Adoraria falar de grandes projetos REMUNERADOS em que me envolvi no último ano, mas nada do meu desenvolvimento pessoal e profissional nesse período evoca aqueeeela vontade de se orgulhar e compartilhar, por enquanto. Estudei e tentei escrever, para mim. Me limito a dizer: amiga, eu tô perdido. Risos. Sei que tô em Arraial e quero terminar uma zinezinha que seja. Sobre o que você está escrevendo? Perguntou o boy da Sammy, outro Rafa, experiente nessas artes e cheio das artimanhas e contatos de outros artistas que se juntam nessa de fortalecer a comunidade. Tô escrevendo sobre depressão. HEHE. É, tô fodido pra vender poesia depressiva no litoral. Vai ver não entendi muito bem direito quando botaram na minha cabeça pra sair vender minhas artes na praia. Pedirei uns conselhos ao Rafa. E talvez vender bolos de pote no lugar de palavras, por enquanto.
Talvez eu volte semana que vem para contar que tenho uns trocados no bolso, mas provavelmente falarei mais objetivamente sobre os próximos passos da arte que estou desenvolvendo. Afinal, é pra isso que comecei o Escrita Penosa. Sei que não demoro mais um mês para publicar, pois a única viagem programada não vai durar tantas semanas. Ou não né, melhor não prometer nada.
Leituras
Uma das conquistas que tive nesse período foi ter recuperado o hábito da leitura. Este que foi assassinado numa emboscada que deitou mais dois, minha concentração e foco, no meu último quadro depressivo em fevereiro. Já tinha devorado 7 livros no início do ano e estava crente que ia bater meu recorde anual de leitura até a maldita levar embora todos meus interesses. Agora estou recuperando o atraso desses últimos meses.
Aconteceu lá no Rio de Janeiro, peguei um livro da estante da casa dos amigos na Tijuca. “Os Pecados da Tribo”, de José J. Veiga. Levei pro Leme e devorei enquanto os meninos jogavam altinha. Nem curti, para falar a verdade. Acho que realismo fantástico não é para mim, muito confuso dar conta de entender conceitos e palavras novas sem muito contexto. Foi meu primeiro contato com o autor e fiquei muito interessado que ele publicou o primeiro livro aos 45 anos, se tornou uma das maiores vozes nacionais nessa categoria e as enciclopédias ignoram todo seu histórico anterior. Absorvi isso muito positivamente.
Também voltei a ler “Notas de um velho safado”, do Bukowski. Mas tô tomando o cuidado de ler aos poucos dessa vez e dividir meu tempo com outras leituras. Indo para outra ponta do público-alvo, li “Você tem a Vida Inteira” do autor brasileiro contemporâneo Lucas Rocha. E agora estou lendo sua última obra, “Rumores da cidade”. Confesso que por mais cru, repugnante e escatológico que seja um conto de Charles Bukowski, me sinto mais incomodado fazendo a leitura de livros para os chamados "jovens adultos". Não que as histórias sejam ruins e os tópicos abordados não sejam interessantes, muito pelo contrário. O que me incomoda, e me incomoda muito, é ver os personagens na faixa etária dos 20 anos se comportando como adolescentes. Me sentiria mais satisfeito se nessas histórias falassem que eles têm uns 16 ou 18 anos, seria mais fácil de aceitar os pensamentos e decisões infelizes que tomam (em Rumores da cidade, o protagonista tem 17, então beleza). Mas quem que tô querendo enganar, né? O pessoal da minha faixa etária também acha infeliz as decisões que tomo na nossa idade. Então sei que provavelmente é só um pensamento besta de leitor envelhecendo e que cisma em fazer as leituras da moda para acompanhar o que a juventude tem consumido. Vai que um dia eu escreva para esse público e faça igualzinho né?
A última leitura foi o livro de contos de Stefano Volp, “Homens Pretos (não) Choram”. Histórias curtas e íntimas protagonizadas por homens negros e suas vulnerabilidades com as relações paternas, sexuais e masculinas. Teve história que me fisgou muito, como a do pai solteiro que percebe tardiamente que o filho não fala, e acaba de um jeito tão fofo e clichê que chega a ser decepcionante. No geral, foi uma leitura rápida, pois interessante, divertida e gostosa, por mais que os temas fossem fortes.
Agora que voltei a ler, tô sedento por uma leitura que seja A LEITURA, sabem? Aquele livro para finalizar já sabendo que foi a melhor coisa do ano? Até agora, o livro que encabeça minha lista do ano é “Misto-quente” do Bukowski.
Aceito recomendações, qual foi o último livro foda que você leu?