Encontrando motivos para escrever (e viver)
Após um episódio depressivo, comprei um caderno para rascunhar minhas aflições e cheguei a um motivo do porquê de escrever.
Tive uma crise depressiva nesse último fim de semana. Ah, você sabe. Como tantas outras que já tive, foi só a consequência de um acúmulo de sentimentos que estavam me atormentando há dias. Sinais de que o corpo e a cabeça estavam prestes a falhar. Pedindo um tempo. Intervalo. Do que exatamente não sei, talvez de viver, e não é como se eu pudesse ajudá-los a dar um tempo nisso de maneira saudável. Vem comigo e me permita elucidar.
Imagine que você entrou em uma festa com seus amigos e, mesmo acompanhado e não tendo ido sozinho até lá, começa a se sentir deslocado. Uma sensação de não pertencimento, que você não devia estar nessa festa. Que você não é bem-vindo e a festa estaria muito melhor sem você ali. A festa é muito mais divertida sem um cara chato que parece sugar a boa energia do local. Você concorda. A festa seria muito mais legal sem você ali. E mesmo que você queira manter um sorriso no rosto e fingir que não é tão chato assim. Mesmo que você queira ser um cara legal e se divertir na festa. Sabe que isso é impossível nesse exato momento, pois você não tem sequer energia para isso. Não tem como enganar as pessoas durante essa festa, pois provavelmente você já acabou com a energia que tinha enganando as pessoas antes de chegar até ali. Infelizmente, não tem como parecer menos chato e evitar que concluam que você é um péssimo convidado. Não que realmente importe o que pensam de você, que pensem que você é um péssimo convidado. Mas importa a verdade. E a verdade é que, enquanto estiver ali, você está estragando a festa.
No caso, a festa em questão era uma simples festa junina, aberta a comunidade. Não gosto de festa junina, mas não a ponto de entrar em depressão. Podia ser qualquer festa. O que se sucedeu teria sido igual. A não ser que fosse uma festa de góticos ouvindo a TOP 10 mais tristes do Radiohead intercaladas com shoegaze barulhentos de jovens adultos tristes da Escócia que nunca alcançarão as paradas do Spotify se drogando com heroína entre excessos de cervejas e cigarros. Na verdade, nem assim, pois não estou bebendo e nem me drogando, então até numa festa de desajustados me sentiria desajustado.
Deu para sacar como é? Caso você nunca tenha passado por isso e precisasse de uma palinha para entender como funciona essa coisa de depressão e tal. Embora esse relato seja apenas uma das tantas variáveis possíveis de se experimentá-la. Uau, quem foi que disse que a depressão precisa ser monótona né?
Tentei caminhar e observar a cidade de um mirante. Em vão. Sozinho com meus pensamentos cheguei a conclusão que era hora de ficar recluso. Peguei um ônibus para ir embora, nos dois primeiros minutos quis chorar de pena de mim mesmo e nos minutos seguintes quis dormir.
Já seguro num quarto e protegido de qualquer forma de contato com outro ser humano, coloquei Amadeus para assistir — pois o momento era propício para filmes cinco estrelas de três horas — e na sequência dormi por 17 horas. Abri a porta dois dias depois. Com um pouco da bateria recarregada, peguei a bicicleta e pedalei até uma papelaria. Voltei com um bloco de notas, um caderno e três canetas. Embora eu já tivesse caderno e caneta. Precisei desse ritual para não deixar escapar essa necessidade dentro de mim que era o mais próximo de vida que estava experienciando nas últimas horas.
Desde então tenho escrito no caderno. Seja meus pensamentos depressivos e deprimentes. Anotações que normalmente faria num aplicativo do celular. Ou uma história remendada de um cara que, cansado de já ter tentado de tudo para se livrar da depressão, encontra num ritual com indígenas a possibilidade de ser curado, onde acaba cometendo suicídio.
Também escrevi uma página sobre tédio. Sobre a dificuldade que tenho de entender o tédio. Algo que acho que senti apenas quando criança. Não me faz sentido um adulto com tantas possibilidades a volta sentir como se não tivesse nada para fazer. Eu queria ter menos coisas para fazer, menos possibilidades do que fazer, sentir como se não tivesse muito o que fazer. É angustiante ser limitado e não poder fazer tudo que é possível fazer. Porque é possível fazer tanta, mas tanta coisa! E olha que acabei de narrar um episódio depressivo. Isso está vindo de um cara que briga consigo mesmo para ter interesse em viver. Me parece lógico que alguém desgostoso com a vida seja entediado. Não é meu caso. Acho curioso.
Dentre as tantas possibilidades que me impedem de sentir tédio, escrever é uma delas. Embora eu adoraria não precisar escrever. Parece uma virtude não sentir necessidade de escrever. Algo frustrante que faço mais por raiva do que por amor. Isso me traz fortes suspeitas para entender a origem da minha dor existencial atual. A que me leva a perder a bateria no meio da festa junina. Meu propósito de vida conectado a algo que realizo sem virtuosidade e menos ainda facilidade. Parece a receita da merda depositar minhas esperanças em algo tão frágil. E é. Se chegar ao fim do período desse projeto e eu ainda me sentir atormentado com a ideia de me autoidentificar como escritor, que porra vou fazer? Ah, sim, existem muitas possibilidades. Já disse que não sinto tédio. O que não significa gostar de agir sem finalidade alguma. Preciso de uma finalidade e no momento pareço ter nenhuma, pois minha filosofia de vida está obsoleta, minhas conquistas parecem pertencer a outra vida, de outra pessoa que nem existe mais, e a única ideia a qual estou agarrado no último ano parece não se encaixar em finalidade alguma. Preciso dar um sentido, um significado, algo maior que a própria ideia de me enxergar como escritor.
E foi esboçando esses pensamentos que cheguei em sentenças que parecem se conectar com meu novo rascunho de filosofia de vida. Sobre o porquê de eu escrever. Sobre o que espero com a escrita. Com minhas histórias e as pessoas que almejo me lerem.
Escrevo por necessidade. Ok. Já sabemos disso. Mas também escrevo para contar as histórias que simplesmente quero contar, ou que prefiro viver, ou as histórias das quais não consigo escapar. Que o que eu escreva possa inspirar outras pessoas com dificuldades de aceitarem que estão vivas e vivendo. Que encontrem em minhas palavras, se não conforto, identificação. Saberem que não estão sozinhas nessa merda. Existe um cara aqui que também não curte viver, mas está vivendo e buscando fazer o melhor que pode nas circunstâncias em que se encontra.
Escrever para morrer em paz com a ideia de que fez o que podia, inclusive ajudar algumas pessoas nesse processo.
Escrever para morrer em paz com a ideia de que fez o que podia, inclusive ajudar algumas pessoas nesse processo. Parece um motivo razoável, depressivo e que faz muito sentido para tudo que já escrevi na vida. Se estiver confuso deve ser porque está mesmo. Preciso lapidar isso aí.
O cara dentro de mim que entende de negócios, que já teve uma carreira e se sentia importante, sabe que escrever meus próprios diálogos internos e querer dividir isso com outras pessoas deprimidas buscando reforço e sentido para sua própria tragédia pessoal é totalmente contraproducente. Eu deveria definir um público-alvo para essa mídia em que escrevo, planejar o conteúdo (ergh que vontade de vomitar ao escrever essa palavra) e seguir o calendário de publicações que geram valor ao público que quero atingir. Assim conquistar uma audiência que ao se beneficiar do que entrego pode vir a me gerar um retorno. Por enquanto, uso a desculpa de que estou me desenvolvendo e entendendo meu próprio processo criativo para evitar o caminho que já foi traçado sobre o que funciona. Não deixa de ser verdade.
Já experienciei surtos o bastante para entender que mesmo que eu siga uma agenda produtiva que pague minhas contas, não posso ficar tranquilo se não usar esse meio de expressão para… me… expressar… No fim das contas, é isso o que importa, ou que deveria importar.
Espero do fundo, da superfície e de todos os cantos do meu coração que o próximo episódio depressivo, desses que derruba e faz dormir por 17 horas, demore bastante para bater. Contudo, estou satisfeito que esse último resultou num caderno com várias folhas gastas e uma mínima compreensão dos incômodos que me movem. Que sirva para entender quem sou hoje e os motivos que me levam a fazer o que faço. Pois preciso muito de uma nova filosofia de vida para não cair em desgraça.
Supondo que essa etapa seja concluída com sucesso e eu me sinta contemplado pelos novos valores que estou em busca, será incrível dar continuidade e finalizar os tantos rascunhos de ideias que tenho em mente e rabiscadas em outras folhas de papel. Não vejo a hora de poder dividir com vocês.
Obrigado por te me lido até aqui :)
Curtiu ou se identificou com esse texto?
👋 Me manda um oi. Adoraria receber seu comentário sobre meu processo com a escrita e essas tormentas que me assolam.
💌 Ou envie para alguém que possa se interessar.