Sobre as minhas dores de escrever
Reflexões sobre minhas dores em relação à escrita e a busca por me entender como escritor no séc. XXI. Consistência, influência do meu estilo de vida e ansiedade pelo excesso de informação.
No ano novo, um amigo me deu um conselho sobre ser escritor: “Se chame de escritor. Não espere ter um livro publicado. Se você quer ser um escritor, responda já agora que você é um escritor. ”
Entendo perfeitamente o que ele quis dizer. Inclusive funcionou para ele que é designer de games e tinha dificuldades de se ver como tal enquanto não tivesse feito um jogo até alguém lhe dar esse conselho e ele passar a se autodenominar como designer de games.
Sinceramente, já ouvi isso antes. Devo ter lido de vários gurus da escrita por aí. E até cheguei a atualizar cartões de visitas digitais referindo a mim mesmo como escritor. Isso tem pelo menos 6 meses e até hoje nenhum livro escrito nesse ínterim. Nem me sentindo mais ou menos escritor. Embora tenha dedicado o meu tempo a estudos, leituras e a escrita em si. Menos como um autor que se vê finalmente com tempo extra para escrever sua grande obra e mais como alguém que quer se entender nesse processo. Entender se faz sentido isso mesmo, se escritor é algo que eu realmente quero ser/sou ou apenas um sonho juvenil e ingênuo batendo de frente com a realidade finalmente. Tem muito que preciso aprender sobre a escrita, e não estou falando de técnica ou mercado, mas do meu próprio desenvolvimento como um artista que se expressa por palavras.
Esse período tem sido duro e frustrante. Cheguei a dezembro lutando contra o sentimento de fracasso e as inesperadas e efêmeras vontades de retomar algum estilo de vida anterior. Seja empreendendo na praia ou trabalhando full time em agência de publicidade, caminhos que eu não quero (voltar a) seguir enquanto não estiver certo de que tentei o bastante. E nesses últimos 6 meses acho que não tentei o certo. Como se eu tivesse tentado bastante, mas de um jeito ruim, e por ser um jeito ruim, alguns meses não bastavam. Ou posso até ter tentado do jeito certo - porque não existe jeito errado -, mas me dei conta (e aprendi através das palavras dos que tem autoridade) que não teria como ser diferente. É para ser duro e frustrante mesmo e, pior, longo e duradouro. Quantos dos autores imortalizados não passaram anos por esse processo? Até mesmo décadas. Não que eu esteja disposto a gastar uma década nesse processo, mas pelo menos entendo que não tô por fora, muito pelo contrário, tô bem dentro do padrão mesmo. Contudo, felizmente pude virar o ano com alguns aprendizados sobre o meu próprio desenvolvimento e acredito ter algumas mudanças de rotas a tomar visando minha evolução.
Minha principal dor é com a consistência. Inspiração não me falta, ideias para escrever também não. Tem livro que sei que quero escrever há anos amadurecendo no meu cérebro. Mas onde se encontra motivação para durante um período me dedicar a uma obra o suficiente para que ela saia da cabeça e chegue ao papel? Não estou falando de uma coleção de ensaios ou um romance. Escrever uma simples página com uma história que eu já contei centenas de vezes consegue se tornar numa tortura angustiante. Fazer disso uma tarefa frequente, um hábito, parece um absurdo. Segundo Bukowski, isso significa que eu não sou escritor. Stephen King só senta a bunda e começa a escrever o que vem à cabeça até finalizar brochuras de histórias maravilhosas que ele nem havia premeditado. É como estou escrevendo nesse exato momento e com sucesso, mas parece não funcionar quando faço um planejamento antes das obras que quero produzir ou quando quero escrever algo para além das minhas próprias dores e sentimentos.
Um lado pessimista meu se entristece, desanima com a conclusão que no final das contas eu não sirvo para ser escritor, que esse sofrimento incessante nunca passará e que estou caminhando para o buraco assim. Já meu outro lado, também pessimista, fica puto. Muito puto. Como assim, a essa altura da vida, aos 31 anos, podendo me dedicar a algo cujo interesse tenho desde criança, após ter vivido vidas o suficiente para não faltar inspiração e trabalhado em tantas outras profissões, sem medo de pular fora de uma área e me aventurar em outras… Vou descobrir agora que eu não dou conta disso?
Tomar no cu Bukowski e Stephen King. Talvez eu não dê conta mesmo, mas ainda não tentei o suficiente e esse ano é para isso. Se chegar o ano que vem e eu ainda não me entender como escritor, beleza, procurarei outra coisa para fazer.
O meu problema com a consistência é que o meu estilo de vida não é nada consistente. Eu não sinto como se morasse em lugar algum, nem sinto que tenho conforto o suficiente - e foda-se o conforto também. Assim como eu também não me sinto um completo nômade. Como ser consistente numa rotina se eu nem tenho certeza onde estarei na semana seguinte e se tento estabelecer uma viajando, ela deixa de funcionar tão logo eu esteja em outro lugar, seguindo outras regras, outro dinamismo, outra relação com as pessoas com quem estou convivendo?
Dos lugares em que estive desde que saí do Rio de Janeiro, o lugar em que mais fui produtivo foi na casa da minha mãe, na zona rural do interior do estado de São Paulo. Lógico, não ter que se preocupar com os gastos com moradia e alimentação faz total diferença. Mas é um lugar que não faz bem para minha saúde mental no médio prazo, pois me impede de continuar em movimento. E quando vou para algum compromisso em São Paulo sempre fico bem mais do que deveria, só para lembrar no instante seguinte que São Paulo também não faz bem para minha saúde.
São Paulo só é bom para quem tem dinheiro, e eu não tenho renda desde que resolvi me jogar nessa de me descobrir como escritor. Então, estar nos rolês com amigos de uma classe social a qual eu não pertenço mais vai comendo minha cabeça a ponto de querer "largar tudo" e procurar um escritório. As tais vontades (não tão) inesperadas e efêmeras de querer ter um salário para bancar o rolê da classe social média de uma cidade tão cara como essa. O que não exige muita reflexão da minha parte por 5 minutos para perceber que eu nem quero isso de verdade. Só sinto isso momentaneamente por estar sofrendo por não ter um conforto constante, estabilidade financeira e segurança em relação ao futuro enquanto estou vivendo um estilo de vida que não cabe mais para mim. Porque fui eu mesmo, para início de conversa, que abdiquei desse estilo de vida e me aventurei em outros.
No Natal, falei para minha amiga que eu começava a questionar a minha busca por conhecer o que fosse distante de mim quando mais novo. Pois isso descarrilhou num tanto de interesses que se sobrepõem uns aos outros e tornam meus raciocínios (e ações) por diversas vezes contraditórios ou seguem direções diferentes agora que sou mais velho. E isso gera um tanto de angústia, por não poder abraçar tudo e não querer escolher um único caminho.
Como será que esse montante de territórios e assuntos e tópicos pelos quais eu quis aprender e me envolver e sonhar afetaram meu transtorno de ansiedade generalizada? Digo, veja bem, eu tenho certeza (e sei que você me lendo também) que o volume de informações hoje é tão absurdamente alto que nos deixam ansiosos.
O mundo não para de criar conteúdo e eu reclamo como se não tivesse aqui criando mais conteúdo e sofrendo pela minha própria dificuldade de produzir mais. E praticamente todos os interesses possíveis só dão certo profissionalmente se você aceita as regras do século XXI, que pedem para que você produza conteúdo em cima dos interesses, tornando eles menos interessantes no processo e ocupando o tempo de estar vivendo outros interesses. Isso, além de não parar, parece um fardo para uma pessoa que acumulou muitos interesses e sabe que nunca poderá se dedicar a eles como gostaria nem ir em busca de novos porque já aprendeu que isso é péssimo para a cabeça.
Antigamente, eu ficava puto com a ideia de que ia morrer sem ler uma porrada de livros já escritos, sem assistir uma cacetada de filmes já filmados, e sem jogar a maioria dos videogames já feitos. Aí chegou a década de 2010 virando todas as promessas da internet de ponta cabeça. Multiplicou exponencialmente o tanto de produção feita como se fosse um grande zombeteiro para rir na sua cara. Dizendo que, além de você não poder consumir todas as obras de qualidade já feitas, ocuparia seu tempo com porcarias de baixa qualidade que atendem a demanda do mercado ditado por algoritmos e organizações lucrando em cima da picaretagem alheia.
MUAHAHAHAHA Engula essa humano imbecil! Se quiser sobreviver, terá que ser um picareta também! Bora produzir conteúdo merda para pessoas merdas com pensamentos de merda.
Céus. Colocando esse demôniozinho de lado. Refletindo que são “apenas pensamentos ansiosos”. Entendendo a probabilidade de ser uma reação exagerada. Caio de volta nos poucos pensamentos uniformes que parecem me dizer o quanto a vida poderia ser mais prazerosa enquanto alienada.
Com eles surgem a questão, será que tudo seria mais fácil e simples e sem tanto sofrimento se eu tivesse sido um cara satisfeito com meu trabalho em fábrica? Se eu estivesse trabalhando na mesma fábrica que trabalhava 13 anos atrás. Com certo conforto na estabilidade. Pouco dinheiro e alguns sonhos que seriam exatamente isso, apenas sonhos que eu jamais teria a ambição de realizá-los e arriscar diminuir os brilhos que eles apresentam enquanto são tão distantes e intocáveis.
Não que eu queira fazer uma ode a mediocridade, ainda que esteja tudo bem ser uma pessoa medíocre, o que está errado é o entorno que o condena. E não que eu queira apontar que peões de fábrica são medíocres. Contudo, na minha trajetória simbolizou uma ruptura entre seguir o que o entorno determinava e ir em busca de realizar os sonhos que brilhavam muito e nem sequer foram concretizados, pois outros tantos surgiram pelo caminho me deixando até perdido e ansioso como estou hoje aqui.
Medíocre ou não, se eu estivesse disposto a abraçar o que esperavam de mim e me sentisse satisfeito, não seria tudo mais simples e fácil e sem tanto sofrimento?
Tendo a acreditar que sim. Viver alienado e em paz parece tão invejável atualmente. Assim como parecem absurdamente remotos e impossíveis, tais quais os sonhos de alguém totalmente satisfeito com a própria existência.
Não sei qual decisão tomarei lá na frente, se continuo no caminho da escrita ou se aceito que só a tentativa já valeu a pena. Mas não importa qual a decisão, estou certo que continuarei insatisfeito em algum grau. No fim das contas, não é isso que nos move? Seja buscando um lugar que talvez um dia eu chame de lar, seja buscando concretizar sonhos que já brilharam fortemente mesmo numa realidade tão mutável.
Se você gosta da proposta do Escrita Penosa e tem seus pitacos para dividir comigo, chama ae que eu vou adorar trocar uma ideia :)
Se quiser ler mais do que eu já escrevi, se liga no meu blog pessoal, o Cosmoliko. Tá recheado de diários e outras manifestações sentimentais.
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