Sobre fracassos
todo mundo tem um pouco de kendall roy e todo mundo se sente um pouco kendall roy
Olá!
Se você se sente um fracassado, talvez seja legal você ler isso aqui e entrar para o clube.
O último episódio de Succession foi ao ar no último domingo e agora estamos órfãos e satisfeitos com o desfecho da (qual considero) a melhor série desde Fleabag.
Se você nunca assistiu, não se preocupa, não precisa ter um baita repertório para ler sobre fracasso. Na real, aposto que seu repertório é acima do suficiente, seu fracassado. Em relação a Succession, o que você precisa saber é que tem esse cara, Kendall Roy, interpretado com maestria por Jeremy Stronger, e ele coleciona uma série de cenas de vergonha alheia, deprimentes e de fracasso. É um personagem fascinante.
Nós, espectadores, odiamos tudo que o que todos os personagens bilionários e poderosos de Succession representam - se não for seu caso, já fecha a janela e vai tomar no cu. Mas claro que desenvolvemos um tiquinho de empatia por eles. Afinal, ricos também sofrem (embora estes estejam acima de ricos). Alguns sofrem mais do que os outros. E apesar de ser divertido ver bilionários sofrerem, às vezes é difícil acompanhar Kendall Roy colecionando um fracasso atrás do outro. O personagem mais fracassado da série, deprimente por ser o mais fracassado, deprimido por se perceber fracassado.
E por que Kendall Roy é tão fracassado? Porque não somente nenhuma de suas estratégias atingem os resultados desejados, como também não percebe que todos seus anseios foram condicionados por terceiros. Por mais que ele queira ser a pessoa que gostariam que ele fosse, ele nunca será. Portanto, nunca poderá alcançar as próprias expectativas, que nasceram das expectativas de outra pessoa, seu pai Logan Roy. Este que abriu mão de ver seu império nas mãos do filho tão logo percebeu que ele jamais estaria a altura do negócio, mas somente após ter estragado mais um ser humano.
Kendall é um imbecil, um cara patético, tentando parecer alguém preparado, experiente e grandioso. Inevitavelmente sempre reflete o papel de bobo e sempre é derrubado. Talvez todos tenhamos um pouco de Kendall, deixando de explorar a vida e o mundo por conta própria para atender expectativas de outras pessoas; e certamente já nos sentimentos um pouco como Kendall, um merda fracassado. Se você não tem uma única história de fracasso em sua vida para se identificar com Kendall, invejo demais seu privilégio.
Quando penso em fracasso, lembro das tantas vezes que já fracassei. Fracassei quando desisti de escrever um livro aos 13 anos. Fracassei quando repeti de ano no ensino médio. Fracassei quando não me tornei o cineasta que queria ser.
A sensação de fracasso é inerente aos deprimidos e suas baixo autoestima. Busco lidar com isso lembrando e reforçando a mim mesmo que existe muito mais na vida além do sucesso e do fracasso. Estes são apenas exemplos de uma obsessão materialista de uma sociedade absurdamente desigual, pouco se fodendo que todos os indivíduos possuem suas próprias perspectivas e merecem o mesmo respeito. Redefinir o que é sucesso e fracasso como indivíduo é uma tática não só para manter a saúde mental equilibrada como para continuar vivendo em busca de novas experiências. Devíamos olhar com mais carinho para nossos fracassos e praticar o autocuidado. Nos conceder o mesmo discurso motivador que daríamos a um amigo na mesma situação.
O computador foi formatado e apagou a história que eu estava escrevendo e tá tudo bem um adolescente de 13 anos se desmotivar. O sistema de avaliação da escola em que repeti era inadequado, falho e eu sequer tinha sido preparado para estar lá. A indústria audiovisual não foi desenhada para dar espaço a caipiras pobres.
Não que eu queira colocar a culpa nos outros para as minhas situações, mas entender que por maior que sejam nossos sonhos, nem tudo depende da gente e do nosso esforço. Entender que você deu o seu melhor e seguir para um próximo ciclo.
Acho que perceber meu fracasso em entrar na indústria audiovisual foi um dos primeiros que percebi como sendo algo relacionado a um mundo tão distante de mim que não era justo comigo mesmo desconsiderar todo meu esforço. Fiz o que foi possível naquele contexto. Na época, estava mais preocupado se ia conseguir encher a barriga e se ainda teria um lugar para dormir. Me orgulho de ter conseguido uma carreira na publicidade, longe de ser algo que almejava, porém o sonho de outros em suas realidades distantes.
Posteriormente, passei por outras situações que poderiam ser lidas como fracasso. Fracassei quando minha carreira publicitária foi abaixo. Fracassei quando tive que fechar meu próprio negócio. Contudo, minha mentalidade já era outra. A agência em que eu trabalhava passou a ter valores com os quais eu não compactuava, sendo escolha minha abrir mão. Eu e meu sócio queríamos fazer outras coisas da vida e decidimos não renovar o contrato.
Como eu disse antes, a sensação de fracasso é inerente aos deprimidos. Mesmo escrevendo esse texto, frequentemente quando estou no buraco me sinto fracassado. Hoje em dia, é fácil eu me achar um fracasso por não ter estabilidade financeira, por ser um adulto na casa dos 30 que recusa rolês para economizar para o almoço do dia seguinte, por não ter meu próprio canto e viver numa relação de trocas em qualquer lugar que eu vá. Todo um sentimento negativo que faz muito sentido quando sou abraçado pela depressão. Que bom que não é meu caso agora. Sei que as questões financeiras são relacionadas a uma crise política e econômica muito maior que eu. E viver uma relação de trocas pode ser muito mais legal que viver num dia a dia com trabalho tradicional.
Eu tenho um propósito. Atualmente, relacionado a escrita. Estou me descobrindo e me desenvolvendo com ela. Estudando e aplicando. Almejo publicar alguns trabalhos, conseguir ganhar a vida e me ver realizado escrevendo. Pode ser que daqui a alguns meses eu não tenha tirado nada do papel, que ele ainda esteja em branco. Certamente me sentirei um fracasso momentaneamente, pois preciso comprar comida e minha barriga não vai esperar pelo sucesso. Se isso acontecer, ao menos terei tentado, e bola pra frente. Para o próximo ciclo. Próximo projeto.
Infelizmente, o único propósito de Kendall Roy foi forjado de uma vida inteira ludibriado para alcançar expectativas que ele jamais poderia alcançar. E duvido que ele seja capaz de construir novos propósitos a si mesmo. Em uma realidade paralela, adoraria que Kendall percebesse que nunca valerá a pena buscar a aprovação externa. Ele é um filho da puta que não precisa do sucesso para conseguir um prato de comida, segurança e uma cama confortável. Um deprimido que sofre em Nova Iorque pela manhã, a tarde na Croácia e a noite na Itália como se não fosse um big deal se locomover dessa maneira. Em uma realidade paralela, adoraria que Kendall fosse mais Connor.
Mas eu preferia que ele e sua família fossem guilhotinados mesmo.
Rapidinhas
"Succession é o que acontece com quem nunca tomou um café ruim". E
está certíssima nessa ode aos cafés ruins.O último aborda essa série que amamos odiar o que os personagens representam, que temos a impressão de nem entender o que tá acontecendo nesse mundo tão distante do nosso. E que basicamente nos fascina pelas conversas, negociações, traições, concessões e plot twists envolvendo a família Roy e muita vergonha alheia.
Ainda sobre Succession, o terceiro episódio da última temporada havia alcançado a nota máxima no IMDB, mas agora fui conferir a lista dos episódios de séries mais bem ranqueados e ele caiu para 13º. Breaking Bad continua sendo o único com nota 10 e absurdos quase 200 mil votantes. (ps: eu nunca vi breaking bad).
Código é poesia. Wordpress fez 20 anos e eu adorei adorei o texto homenagem que o Ghedin publicou lá no Manual. Mais vezes do que eu gostaria, me questiono se não deveria voltar a usá-lo como CMS do meu blog, Cosmoliko, em que me atendeu por mais de 10 anos até eu resolver migrar para o Ghost em 2021.
E no podcast Guia Prático, ele entrevistou a
para falar de newsletters, Substack e de fazer bagunça na internet.
Muito valeu aí por te me lido até aqui!
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